Tricotilomania. Literalmente mania de puxar cabelos. Um distúrbio de controle de impulso no qual a pessoa sente a necessidade de arrancar fios de cabelo para poder controlar seu nervosismo ou ansiedade.
Controlar seus sentimentos desconfigurando sua imagem. Parece algo terrível quando a pessoa tem tanta coisa na cabeça que ela simplesmente passa a arrancar-se os fios.
Eu não sofro de tricotilomania e não estou aqui para tirar por menos essa síndrome, mas eu a acho curiosa simplesmente pelo fato do quão próximo um transtorno psicológico está próximo dos meus comportamentos. Sabe? Parar para pensar e descobrir que por causa de uns degraus e você não é exatamente louco.
Desde que passei a ter opinião sobre quando e como cortaria meu cabelo, eu acabei usando-o como forma de expressão. Externar desejos, vontades e angústias mudando o corte de cabelo. E olha que o cabelo é sem dúvidas a fachada principal de qualquer um. Quem nunca tirou alguém por louco porque tinha um corte engraçado? Com os fios alcançando o céu, ou com eles cortando ao lado das orelhas... Há uma grande importância em como você decide sair de casa.
Na mesma medida, desde que passei a ter opinião, eu passei a não conseguir lidar com elas. E não lidando com elas, eu passei a ter ansiedade. Nunca achei que eu fosse uma pessoa com dificuldade de se expressar, mas sempre achei que eu guardo alguns sentimentos e formo em mim um efeito bola de neve. Quando não consigo lidar com as pessoas, ou não consigo realizar algo que quero, tudo isso consegue me tirar uma boa noite de sono ou até um bom domingo de descanso. Fica lá dentro da minha cabeça martelando, tirando-me o sossego. Ainda lembrando das vezes que me vem um ataque de pânico, como se eu perdesse o ar e como se tudo fosse impossível de ser resolvido. Ter que encarar a realidade como algo imutável é algo que não consigo/conseguia lidar muito bem.
Quando a bola de neve para de rolar e junta-se com outra e faz dentro de mim um boneco de neve, eu começo a me atacar. Um momento de degradação. Quando me olho no espelho, tudo em mim passa a ser culpado por eu estar me sentindo mal. E a primeira coisa que eu ataco é o meu corte de cabelo.
Lá na época que eu tinha 15-16 anos, quanto mais vezes eu trocava de corte mais lucro para mim. Eu tentava fazer qualquer coisa de tudo. Mandei cortar uma franja, para ir com a onda da moda da época em 2010 e daí fui testando o que podia. Nessa época eu ia num salão no bairro ao lado e cortava com um hairstylist, porque usar palavras em português é banal demais. Era um tal de Alex que me ajudava com o que eu devia fazer. Desfiei os fios, cortei reto, cortei baixo, mandei deixar comprido mas com corte, fiz um moicano, um moicano-inglês, topete, tradicional americano, crewcut, raspei os lados, fiz o cabelo alto, deixei cair pela testa, já os deixei para cima caindo, deixei parecerem mais lisos e já os deixei parecem mais ondulados. Mudar a aparência é uma diversão para qualquer um. E todas as vezes que saía do cabeleleiro, era como se eu tivesse mandado cortar minhas preocupações. Ou pelo menos parte delas.
Além do mais, adolescentes são todos idiotas. Preocupam-se com tudo como se tudo aquilo fosse definir o seu futuro. Lembro que na minha oitava série/nono ano, havia uma garota com quem eu me "preocupei" tanto que eu pensei que eu ia explodir. Fui criando problemas na cabeça e decidi que aquilo precisava ser resolvido e eu ficaria decepcionado comigo mesmo. Como sempre, eu fazia nevar lá dentro. Fiquei tão angustiado com a pressão social, com as mudanças que acontecia nas minhas relações com meus amigos que um dia fui ao cabeleleiro e mandei cortar baixo. "Corta bem baixinho". E ele veio com uma máquina de cortar cabelo, altura 2 eu acho, e passou por ele todo. Deixou um pequeno topete que ele cortou com uma tesoura. Cheguei em casa e vi meu cabelo baixo no espelho, eu não me reconhecia, mas era aquilo que eu queria. Olhar para mim e não me ver. Arrancar-me os fios. Lembro que cheguei ao colégio e as pessoas perguntaram se eu tinha me revoltado. Eu disse apenas "eu me sinto melhor" e sorri logo em seguida.
Em contraste, quando eu me sentia leve, sem neve lá dentro. Eu seguia meses sem cortar um único fio. Foi assim que fui de cabelo quase raspado no final do nono ano para uma franja para meu primeiro ano do colegial. Para quê cortar cabelo? Eu não precisava daquilo. Eu seguia com os cabelos descendo pela testa e nem percebia. Fases de grande transição assim sempre me marcavam. Eu queria mostrar às pessoas que eu era alguém diferente. "Se sabem algo de mim, esqueçam! Cortei os cabelos!".
Um dia desses cortei os cabelos. Não sei se é por causa dalguma garota, ou das dificuldades da vida na universidade, ou se a solidão me segue, ou se meio do ano é algo que me tortura. Mas eu pedi que tirasse apenas "uns dois dedos", que mudasse a forma, para deixar algo de mafioso em mim. Abaixar as minhas orelhas, como diriam os americanos. Deixar o sol tocar na minha cabeça. Conectar-me com Deus. Fazer a bola de neve de lá de dentro parar de descer a colina. Olhar-me no espelho e dizer que talvez eu posso mudar as coisas de verdade tanto quanto as vezes que vou ao barbeiro. Tentar descobrir que posso ser feliz cabeludo. Tudo isso para mim são sinônimos.